Luciana Constantino | Agência FAPESP – Estudo internacional realizado em dez cidades, incluindo São Paulo, revela que um período relativamente curto em locais de alta concentração de poluição é o suficiente para expor motoristas e passageiros de carros a doses significativas de partículas inaláveis finas – aquelas que, por ter diâmetro menor do que 2,5 milionésimos de metro (MP2,5), conseguem chegar aos alvéolos pulmonares e causar ainda mais danos ao organismo. Segundo o estudo, portanto, passar pouco tempo em áreas de engarrafamento já pode ter impacto prejudicial na saúde.
As cidades com maior relação entre tempo de exposição e inalação de poluentes foram Guangzhou, na China, e Adis Abeba, na Etiópia. Esses motoristas e passageiros ficaram em áreas de alta concentração de MP2,5 menos de um terço do tempo da rota (26% e 28%, respectivamente), mas inalaram mais da metade (54% e 56%) da quantidade total de partículas finas inaladas durante toda a viagem. No caso de São Paulo, em 17% do tempo de rota – aproximadamente oito minutos –, o motorista inalou 35% do total no trajeto.
A exposição a essas partículas finas, também chamadas de aerossol, está entre os dez principais fatores ambientais de risco à saúde, segundo o Global Burden of Disease 2019. No estudo, observou-se que as cidades onde as pessoas foram expostas nos carros a níveis mais altos desses aerossóis registraram as maiores taxas de mortalidade por 100 mil passageiros de veículos por ano.
Dar-es-Salaam (Tanzânia), Blantyre (Malawi) e Daca (Bangladesh) apresentaram as mais altas taxas de mortalidade (respectivamente: 2,46 óbitos por 100 mil passageiros de carro ao ano; 1,11 e 1,10). Já os menores índices foram detectados em São Paulo, em Medellín (Colômbia) e em Suleimânia (Iraque) – respectivamente: 0,10 morte por 100 mil passageiros de carro ao ano; 0,07 e 0,02.
A distância das rotas variou entre 10 km e 33 km, mas, em cada uma das cidades, o pesquisador utilizou sempre o mesmo trajeto e o mesmo veículo. No caso de São Paulo, a rota foi de 12,7 km (cerca de uma hora para ser concluída fora do horário de pico), saindo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), passando pelo Parque do Ibirapuera e pelas avenidas 23 de Maio e Paulista.
No trabalho, os pesquisadores analisaram um conjunto de dados de concentrações de PM2,5 medidas durante o trajeto para avaliar a relação entre o excesso de poluentes e condições de tráfego, preços de combustível, problemas de saúde e perdas econômicas.
Nesse caso, constatou-se que, entre os locais pesquisados, quanto mais baixo o Produto Interno Bruto (PIB) da cidade maior foi a perda econômica, principalmente em decorrência dos encargos com a saúde. Dar-es-Salaam aparece também entre as maiores perdas do PIB, seguida do Cairo (US$ 10,2 milhões e US$ 8,9 milhões ao ano, respectivamente). O trabalho incluiu ainda dados sobre a cidade de Chennai (Índia).
A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do projeto Clean Air Engineering for Cities (CArE-Cities), da Universidade de Surrey (Reino Unido), e os resultados foram publicados na revista Environment International.
No Brasil, teve a participação da professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP Maria de Fátima Andrade, que é parceira colaboradora do CArE-Cities, da doutoranda Veronika Sassen Brand e de Thiago Nogueira. Recebeu apoio da FAPESP por meio de três projetos (16/18438-0, 16/14501-0 e 20/08505-8).
“Ao estudar a exposição a aerossóis no carro em várias cidades diferentes, medidas eficazes de mitigação da poluição do ar e orientações de melhores práticas podem ser desenvolvidas, incluindo o uso de ônibus elétricos, de ações voltadas ao transporte público e para a mobilidade urbana”, escrevem os autores no artigo, que teve a coordenação-geral do professor Prashant Kumar, diretor-fundador do Centro Global de Pesquisa do Ar Limpo (GCARE) de Surrey.
O trabalho cita a necessidade de dar atenção a estratégias de mitigação que atendam aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas, entre eles boa saúde (ODS 3), energia limpa (ODS 7) e cidades sustentáveis (ODS 11).
“Identificando locais de maior tráfego e poluição é possível desenvolver políticas públicas dirigidas e mais eficientes para melhorar a qualidade do ar nessas áreas”, acrescenta Brand, em entrevista à Agência FAPESP.
No relatório “Cidades Mundiais 2020”, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat), ao citar epicentros da COVID-19, afirma que “centros urbanos bem planejados, administrados e financiados ajudam a construir cidades resilientes, com capacidade de se recuperar dos impactos devastadores de pandemias, melhorar a qualidade de vida dos moradores e alavancar a luta contra pobreza, a desigualdade e as mudanças climáticas”.
Nesse contexto, a qualidade do ar desempenha importante papel. Mesmo com a pandemia, que reduziu as atividades econômicas e deslocamentos em 2020, a poluição por PM2,5 foi apontada como responsável por cerca de 160 mil mortes nas cinco capitais mais populosas do mundo, de acordo com ferramenta desenvolvida pelo Greenpeace e IQAir. A maior estimativa é de Nova Déli, na Índia, com 54 mil mortes. São Paulo e Cidade do México aparecem com os menores números – 15 mil óbitos estimados em cada uma delas.
Metodologia
Para analisar os hotspots nas dez cidades (locais com mais engarrafamento), o estudo internacional levou em consideração correlações socioeconômicas, o impacto dos preços dos combustíveis nos níveis de exposição à poluição e os custos econômicos. Os dados foram coletados em 2019.
Foi utilizado um contador de partículas a laser portátil (Dylos OPCs) no banco de trás de um carro de passageiros, que fazia a coleta por minuto, com três configurações para as janelas: abertas, fechadas com ventilador e fechadas com recirculação de ar. As amostras foram coletadas três vezes ao dia: pico da manhã, pico da tarde e fora do pico. A análise descrita no artigo centrou-se nos dados coletados com as janelas abertas, configuração em que foram registradas as concentrações mais altas de poluentes.
Para garantir o controle da qualidade e da harmonização dos dados, o grupo fez medições de intercomparação ao longo de cinco dias, período em que todos os equipamentos de aerossol foram comparados com um espectrômetro portátil de partículas ópticas (modelo GRIMM 11-C).
Ao analisar o efeito da variação de preços dos combustíveis nas concentrações de poluição em cada uma das cidades, computou-se informações como: parâmetros de congestionamento específicos de cada localidade, velocidades médias do trânsito, tamanho da população e número de carros por habitante.
Nenhuma correlação significativa foi encontrada entre o custo do combustível e a exposição a PM2,5 no carro, indicando que o controle de preços não deve ser considerado como uma política única na mitigação da poluição do ar.
Já para avaliar as perdas econômicas, a metodologia incluiu dados de concentração de aerossóis, taxas de mortalidade de linha de base, tamanho da população de passageiros de automóveis e o valor da vida estatística (VSL, sigla em inglês para Value of Statistical Life).
Monitoramento
Para a professora Maria de Fátima Andrade, um dos pontos inovadores do estudo foi medir a exposição à poluição dentro dos veículos e trazer à luz dados de algumas metrópoles superpopulosas que dispõem de poucas informações, como na África.
“Em geral, os países com piores políticas de controle de emissão acabam não dispondo de dados que considerem as várias fontes de poluição. Medir a exposição dentro do transporte, associando ao tempo e impactos econômicos, é importante”, afirma Andrade.
Em São Paulo, a Cetesb divulga diariamente boletins com a qualidade do ar por tipo de poluente e região da cidade. Esse índice é uma ferramenta matemática, que contempla os seguintes parâmetros: partículas inaláveis (MP10); partículas inaláveis finas (MP2,5); fumaça (FMC); ozônio (O3); monóxido de carbono (CO); dióxido de nitrogênio (NO2) e de enxofre (SO2).
Dependendo do índice obtido, o ar recebe uma nota (de boa a péssima), identificada por cores. Para as partículas inaláveis finas, o índice varia de 0 a 25 µg/m3 por 24 horas para estar na qualidade boa. Maior que 125 µg/m3 por 24h, a nota é péssima.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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