O problema é recorrente: quedas consecutivas de energia elétrica e oscilações frequentes na tensão da rede têm gerado transtornos e prejuízos milionários a produtores rurais de todas as regiões do Paraná. E a percepção não é nada boa. Uma pesquisa inédita encomendada pelo Sistema FAEP/SENAR-PR e realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas aferiu a avaliação de agricultores e pecuaristas paranaenses a respeito dos serviços prestados pela Copel. Exatos 85% dos entrevistados não estão satisfeitos com a estabilidade no fornecimento. O grau de insatisfação aumenta nos polos produtivos que se dedicam a atividades intensivas no uso de energia, como avicultura, piscicultura, suinocultura e pecuária leiteira.
A pesquisa entrevistou 514 produtores rurais, entre 26 de fevereiro e 14 de março, em diversas regiões do Paraná. Do total, 38,9% dos entrevistados declararam estar insatisfeitos com a estabilidade no fornecimento e energia elétrica, enquanto 30,9% afirmaram estar muito insatisfeitos. Outros 15,2% responderam que não estão satisfeitos, nem insatisfeitos com esse quesito. O principal motivo para a avaliação negativa é a falta constante de energia elétrica (44%), seguido pela demora na resolução dos problemas (14%) e muita oscilação na rede (12,3%).
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O maior índice de descontentamento se concentra no Oeste do Paraná, que se notabiliza por ser a principal região produtora de peixes de cultivo e uma potência na avicultura e na suinocultura. Lá, 38,4% dos produtores disseram estar muito insatisfeitos com os serviços e outros 38,4% se declararam insatisfeitos. O Sudoeste e o Sudeste do Paraná, que têm ênfase em atividades como a avicultura e bovinocultura de leite, também registraram altos patamares de insatisfação com a estabilidade no fornecimento de energia elétrica.
Mais da metade dos produtores rurais ouvidos enfrentou mais de uma dezena de apagões ao longo do último ano. Segundo a pesquisa, 38,7% dos produtores verificaram mais de 20 casos de queda de luz nos últimos 12 meses. Outros 19,1% dos entrevistados vivem em propriedades que sofreram entre 10 e 20 episódios de falta de energia. Apenas 1,4% dos agropecuaristas ouvidos não sofreu com apagões.
Como é de se supor, esses episódios causaram prejuízos: 41,6% dos produtores relataram que tiveram equipamentos queimados e 27,2% afirmaram que perderam produção em razão das quedas. A pesquisa também aferiu a demora no restabelecimento do fornecimento de energia elétrica após as quedas. Mais da metade dos produtores (50,6%) ficaram, em média, mais de cinco horas às escuras, a cada apagão.
Insatisfação
Em Toledo, Oeste do Paraná, os piscicultores e avicultores Marcelo Morilha Teles e Leonice Friedrich já não suportam os transtornos causados pelas quedas de energia. Entre 29 de janeiro e 5 de fevereiro deste ano, a propriedade deles – a Granja São Miguel Arcanjo – sofreu apagões diários, colocando em risco a produção de tilápias (120 mil peixes) e de frango (140 mil aves). Só não houve perda de produção porque o casal recorreu a geradores. Ainda assim, houve prejuízos: dois aeradores, duas placas de aviário e uma placa da usina fotovoltaica queimaram. Os produtores ingressaram com uma ação judicial para que a Copel os indenize das perdas.
“Nos três anos anteriores, o fornecimento de energia estava complicado. Mas no último ano ficou insuportável. Eu cheguei a ficar 25 horas sem energia, com o gerador ligado. Isso em dia de céu de brigadeiro. Todos os dias, estou tendo que ligar gerador. Eu tenho usina fotovoltaica, mas dependo da rede de distribuição da Copel… Aí não adianta nada”, diz Teles. “Hoje, eu não teria feito os investimentos que fiz, se soubesse que não teria estrutura de energia para trabalhar. Temos produtores na região que perderam tudo. Eu não quero esperar perder para ficar reclamando. Por isso eu estou implorando para que melhorem nossa rede”, desabafa.
Em Pérola Independente, distrito de Maripá, também no Oeste, o avicultor Juliano Sapelli vive angustiado em razão de oscilações na rede. Ele relata que diariamente, por volta das 14 horas, a tensão da rede começa a ficar instável e permanecem com baixa amperagem até às 2 horas da madrugada. Para se prevenir, ele precisa recorrer a geradores. Além de ter perdido equipamentos, Sapelli gasta cerca de R$ 200 por dia em óleo diesel para manter os geradores em funcionamento. Com as oscilações, ele e a mãe têm que se revezar na vigilância do sistema, para evitar perda de produção.
“A ansiedade vai a mil. A gente não dorme, porque se perder um lote, a gente está lascado. Trabalhamos sob ameaça constante”, reclama Sapelli. “Toda tarde, a tensão cai. Quando a amperagem fica abaixo de 200, os motores perdem eficiência e começam a queimar os equipamentos. A um calor de quase 40ºC, se não ligar o gerador, já era… O nosso custo de produção está subindo às alturas e comendo a nossa margem, que já é apertada”, compartilha.
As quedas de energia elétrica também vêm provocando situações mais corriqueiras. Em Primeiro de Maio, Norte do Paraná, por exemplo, a demora no religamento da energia durante os apagões tem implicado em transtornos no manejo dos animais ao pecuarista Durval Luís Bianchini Renzi. Sem energia, os bovinos têm arrebentado a cerca elétrica e fugido para a lavoura de vizinhos.
“As quedas são frequentes. Não sei se a rede é antiga, se não está aguentando. Mas sempre cai nos mesmos lugares. Eles só religam, mas logo cai de novo. Não tem uma mudança na estrutura”, aponta Renzi.
Percepção corrobora registros de sindicatos
A pesquisa encomendada pelo Sistema FAEP/SENAR-PR é um desdobramento do que tem se presenciado no meio rural. Nos últimos meses, a entidade recebeu 18 ofícios de sindicatos rurais e núcleos, que, juntos, correspondem a 54 unidades sindicais. Os documentos detalhavam problemas enfrentados por agricultores e pecuaristas com quedas de energia elétrica e oscilações na rede. O Sistema FAEP/ SENAR-PR compilou os apontamentos e, em 5 de fevereiro, enviou um ofício à Copel, ao governo do Paraná e aos deputados estaduais, pedindo providências imediatas.
“Os produtores rurais fazem sua parte da porteira para dentro: fazem os investimentos e têm expertise para produzir com excelência. Mas temos esbarrado nessa questão estrutural: o fornecimento de energia. A energia é um dos principais insumos em cadeias, como a avicultura, a suinocultura, a piscicultura e a bovinocultura de leite, em que o Paraná é destaque. Nós precisamos de condições para continuar produzindo. O sentimento manifestado pelos produtores tem sido de indignação”, aponta Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/ SENAR-PR, destaca a importância da pesquisa por ajudar a traçar um diagnóstico preciso da percepção do campo em relação ao fornecimento de energia. O técnico enfatiza que, além de referendar problemas que os sindicatos vinham apontando, o material também acende um alerta justamente nas principais regiões produtoras.
“A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] realiza uma pesquisa de satisfação, mas não estratifica por classe consumidora. Pela primeira vez, temos um diagnóstico da classe rural, com os resultados indicando um grau de insatisfação muito maior que a média das pesquisas da Aneel”, observou Ferreira. “A insatisfação é maior nas regiões que são mais intensivas no uso de energia, onde avicultura, pecuária leiteira e piscicultura são predominantes. Ou seja, o produtor está enfrentando um grande entrave para produzir”, diz.
Copel caiu em ranking de desempenho da Aneel
Mais uma vez, a Copel caiu no ranking de desempenho divulgado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Entre as 29 distribuidoras de grande porte (com mais de 400 mil clientes) do país, a companhia paranaense ocupa o 25º lugar. Em 2021, a Copel estava na décima posição: ou seja, a empresa despencou 15 postos em apenas três anos. A classificação da Aneel leva em conta o número de quedas de energia elétrica e a duração de cada período de apagão.
Dados compilados pelo Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR) mostram o aumento do número de apagões ao longo dos últimos três anos. Em 2023, o Paraná teve uma média de 30,9 mil ocorrências com interrupção de energia a cada mês. Também no ano passado, a Copel teve que ressarcir consumidores em R$ 506 mil, por falhas na tensão da rede. Entre 2011 e 2018, a média anual dessas compensações ficou abaixo de R$ 70 mil.
Em agosto de 2023, o governo do Paraná vendeu ações da Copel na Bolsa de Valores, arrecadando R$ 2,6 bilhões. Em setembro, um lote suplementar foi negociado, rendendo outros R$ 464 milhões. Também no ano passado, o Conselho de Administração da Copel aprovou a distribuição de R$ 958 milhões de dividendos a acionistas.
Para mais de 85% dos produtores rurais paranaenses não houve melhora nos serviços da Copel após a privatização. Para 37,7% dos entrevistados, o fornecimento de energia piorou. Para outros 43,6%, os serviços permaneceram da mesma forma que estavam antes da privatização. O Senge-PR apresenta dados que corroboram a percepção. Segundo a entidade, após a privatização o número de quedas de energia aumentou 41% no Paraná, enquanto o tempo de reparo subiu 55%.
“É um processo contínuo. Como a gestão da companhia já vinha sendo feita de forma a privilegiar acionistas, em detrimento dos investimentos, a qualidade vem caindo continuamente ao longo dos últimos anos”, sinaliza Leandro Grassmann, diretor-presidente do Senge-PR.
Confira gráficos e a pesquisa completa no site do Sistema FAEP.
Energia. Foto: Sistema FAEP |
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